terça-feira, dezembro 30, 2003

Para acabar de vez com o Natal

Se encontrarem por aí o meu pai digam-lhe onde estou.O homem de quem mais se fala todos os anos por estas alturas, não nasceu no dia 25 de Dezembro coisa nenhuma. A Sissy Spacek é que nasceu naquele dia, ela e mais milhões de anónimas pessoas em todo o mundo. O mais provável mês para o nascimento do Gajo terá sido algures durante Abril, curiosamente altura em que se celebra a Páscoa (agora imagine-se que algum dia se descobre que Ele afinal morreu em Dezembro... as comemorações estariam todas ao oirártnoc, seria de doidos!). E mais, o Fulano nasceu 5 anos antes da data convencionada. Já ouvi falar em bébés prematuros mas isto é ridículo! Estamos portanto em 1998 d.c. e a ideia de poder celebrar mais uma passagem de milénio devia, isso sim, encher os nossos corações de alegria.
Mas as PEQUENAS incorrecções bíblicas não se ficam por aqui. Reputados historiadores e cientistas que se deram ao trabalho de ler as entrelinhas e as letras mais pequeninas que nunca ninguém lê, descobriram coisas ainda mais interessantes. Quem pagou a conta da ultima ceia, é tema para se discutir ainda por muito século vindouro. Mas para se descobrir quem foi afinal o verdadeiro pai de Jesus Cristo, não foi preciso chegar aos testes de DNA. De facto, a história daquela gravidez inesperada que já deixara José com a pulga atrás da orelha mas com a comichão na testa, parecia muito mal contada. Ainda mais porque diziam as más línguas da época, que a boa da Maria andava enrolada com um soldado romano, um tal de Pantera de alcunha, de nome que não reti mas que sei era nomen tipicamente romano. José, mais velho e pai barbudo de alguns filhos de outras legítimas uniões, quiçá igualmente azaradas, já não dava para o gasto, e a Jovem Maria (o epíteto virginal foi mal traduzido da palavra hebraica que significa Jovem e não Virgem), lá inventou o mais famoso e tangueado alibi de todos os tempos para esconder a facadinha no matrimónio, e que lhe valeu uma viagenzinha de burro até outras paragens.
Posto isto, perante estes factos científicos por mim assimilados numa destas manhãs frias de Dezembro quando frente ao televisor aguardava pacientemente pela chegada dos saldos, o Natal só tem lógica até aos nossos 5, 6 anos, idades em que normalmente deixamos de acreditar nessa simpática, assumida e incontestavelmente inventada figura que é o Pai Natal. Nessas idades pensamos que o tal de menino Jesus deve se apenas mais um puto qualquer mas que terá algo de especial e portanto será o preferido do Pai Natal, o primeiro a receber prendas, tipo logo á meia noite (as minhas só chegavam por volta das 6 ou 7 da manhã, quando já raiava o sol. Estaria portanto lá para o fim das preferências do velhote).
Nesta época deviam-se comprar só brinquedos para os nossos filhos, para os filhos dos nossos amigos, para os filhos sem sorte, e para os dos vizinhos, caso fossemos assim mais a dar para o cínico.

Este post foi escrito GRAÇAS A edp, pela oportuna energia eléctrica fornecida ao meu equipamento informático, ainda que a troco duma parcela do meu ordenado.
E mais agradecimentos:
À rtp1 que oportunamente exibiu um documentário sobre a VERDADEIRA vida de Jesus.
Ao lidl que oportunisticamente importou da Alemanha a pilsener Fink Brau (4,7% vol.), companheira e musa deste post em particular.


Presumo que fui um pai severo. Sempre disse aos meus filhos: façam o que quiserem, o enterro é de vocês.”
Charles Chaplin, n.16-4-1889 / f.25-12-1977 (alguém em quem valia a pena acreditar).

sábado, dezembro 20, 2003

É da época (reloaded)

Que desperdício!...and...Do que é que estavas á espera ?!
(Imagem originalmente gentilmente sacada algures do cafepress.com; imagem maior e adicional, cortesia posterior de Anton)

sexta-feira, dezembro 19, 2003

Uma história, por acaso, dum Natal

Um filho dum deus menor!Assisti a várias matanças de porcos, principalmente quando era puto, acreditava eu ainda no pai natal. Na ultima, já homenzinho, a vítima tinha sido baptizada com o nome de Fritz. Um grupo de malta juntou-se, decidiu comprar um porquito pequeno, leitão, chinito, trazê-lo no carro e entregá-lo a um homem também 'ito', dono de uma quinta, para que, conforme previamente combinado, o cria-se com todo o 'amor & carinho' até estar bom para se matar, esquartejar, comer e elogiar o sabor da carne. De facto, o bicho desde que entrou naquele curral, fazendo companhia a novos amigos e vizinhos, esqueceu decerto rapidamente a mãe e restante família que deixara para trás, e, ganhando novas raizes, não mais saiu das nossas vidas durante alguns meses. Tinha direito a visita regular, crescimento acompanhado, atenção redobrada sobre o seu estado de saúde, peso principalmente, cenouras e bolotas que caprichosamente comprávamos e apanhávamos das matas circundantes.
Assistíamos embevecidos ao seu crescimento e indiferentes ao desaparecimento e chegada de novos amigos suínos aos quais naturalmente pouca atenção dávamos não estando os mesmos sob a alçada do nosso sustento. O nosso ?carinho?, ia todo para o Fritz, o nosso orgulho, e parecia-nos a nós ser o mais belo exemplar que ali estava, que tínhamos tido muita sorte, que o vendedor tinha sido pessoa honesta e recomendável, o tratador seguia escrupulosamente as nossas instruções: para o Fritz, apenas da melhor ração, mas de preferência, apenas dos melhores restos de comida.
Como o dia da matança estava para breve, enquanto preparava-mos as câmaras de filmar e fotografar, alguém afiava as facas e lavavam-se alguidares. E quando chegou a hora, naquela manhã fria à beira dum Natal, o bicho, estranhamente, não veio ao chamamento como sempre fazia. Não havia bolotas para ninguém e parecia que adivinhava. Os porcos também tinham 6º sentido e nós, sentido nenhum, concluí quando o ouvi guinchar, quando o vi puxado á força, quando me chamaram também a mim para ajudar e eu recusei, recuando para mais tarde ser alvo de chacota. Era preciso chamar o dono da Quinta, o pai do Fritz, sim, pai, que pai e mãe são quem cria e não quem pare. E lá veio o 'homezito', aquele seu sorriso de quem já esperava, de faca afiada, de quem já sabia que aquela meia duzia de marmanjos não conseguiria sequer apartar o bicho dos outros porcos. 'Anda cá Fritz, vá anda cá meu menino, isso amigo, vá vem...' Fritz para além de porco tinha muito de burro e lá veio na cantiga até ao local escolhido, até começar a guinchar de novo, até ser novamente agarrado por duas mão em cada pata, outras ao pescoço, na barriga, junto á fogueira que eu tinha ajudado a acender. O homezito lá espetou a faca no amigo, e nós matámo-lo, e como se não bastasse, comemo-lo.

Arrogância da pior espécie

Podes crer!Imagina-se a seguinte teoria marada, saída da cabeça dum gajo qualquer: Alguns homens já nascem com uma propensão genética para serem cornos.
Continua-se a imaginar, que alguém garante ao outro lado, com a mais absoluta das certezas, que não nasceu com essa propensão genética, pelo que jamais foi ou será vítima de tal má sorte, jamais será corno, cornudo, cabrã*, por maior que seja o precipício, por muito que à beira dele se encontre. Esta certeza confessada oralmente com esta convicção, faz automaticamente desse alguém, não um gajo estúpido ou ingénuo, antes um gajo arrogante, da pior espécie.

quarta-feira, dezembro 17, 2003

O cu de Deus

Pormenor dum quadro de Bruegel Vivo o drama diário de quem tem um horário a cumprir. Se chego depois dos 15 minutos de tolerância, tenho que fazer um pequeno ritual, a que muitos apelidam de “O beija mão...” e que consiste em arranjar uma desculpa plausível ao “chefe”, apresentar-lhe um relatório resumido daquela nossa pontual incompetência, apaparicá-lo, se for necessário, beijar-lhe o cu. Não sei se o gajo está ciente disso mas, naturalmente que 90% das desculpas que damos por qualquer lapso temporal, são tangas inventadas durante aquele período traumático, durante aquela fase em que já só pensamos “e agora caraças ?!”, em que o chegar atrasado é já um facto irreversível. É que quando saímos de casa, por mais atrasados que estejamos, pensamos sempre que chegaremos a tempo, que haverá uma conjugação de factores cósmicos e paranormais que farão com que todos os sinais estejam verdes á nossa passagem, que não hajam lesmas pelo caminho, que não haverá bicha na ponte, e outras ausências ou ocorrências de outros factores que influenciam a nossa performance a caminho do trabalho.
No caso concreto de hoje, não aconteceu aquilo que geralmente acontece entre as 7h30 e as 8h00. Hoje não parecia um maluco a fazer ultrapassagens a torto e a direito apenas para ganhar uns lugarzinhos a mais lá à frente na bicha. E quando fui ao “beija mão” (nunca lhe beijei o cu, é com muito orgulho que o digo), mais atrasado que nunca, é óbvio que não poderia dizer a verdade: Que tinha estado acordado até de madrugada porque estivera a ver o episódio "End of Eternity" do “Space 1999” em DVD, e depois, o “Cubo” na RTP2, e que, apenas por descargo de consciência, quando tinha mudado para a SIC, estava um gajo a sodomizar (parecia) uma preta (ou negra se preferirem), facto que me tirou imediatamente o pouco sono que tinha e me fez automaticamente prestar atenção à estória que, confesso, tive dificuldade em perceber. O gajo, o chefe, nunca iria compreender o porquê das minhas olheiras e barba por fazer! E lá inventei uma tanga qualquer, a qual recebeu a benção com mais benevolência que o costume, sem direito a rebocada e tudo. Interrogo-me se o gajo estará realmente ciente, de que mesmo os atrasos resultantes de noticiadas catástrofes naturais, ou monumentais engarrafamentos ou choques em cadeia, são sempre ficcionados pelas vítimas, ninguém resiste a adicionar uns minutos de pura ficção para tornar a desculpa ainda mais plausível. Talvez, aquela benevolência com que aceitou a minha desculpa, tenha sido influenciada pelo meu estado de espírito de hoje, pela descontração involuntária que demonstrei, a grande eficácia com que fiz a exposição da tanga. Resultado decerto duma nova perspectiva de “vida a caminho do trabalho” que me fizeram ver ao início do dia, da viagem: “Vai com cuidado, olha que mais vale beijar a mão ao chefe que o cu a Deus.”

terça-feira, dezembro 16, 2003

Estória do menino Carlos em Angola (reloaded)

Achei desconcertante aquela introdução “Olá ?!... Olá?!... Não estou a ouvir nada! Digam Olá!! Ah, pronto...” ... Então olá e agora vou contar-vos uma história de quando eu tinha idade para ser vítima de pedofilia... Foi assim ontem á noite no telejornal da SIC, inesperadamente, na integra, chegou-nos uma muito bem contada estória de Natal gravada ao telefone dos calabouços do EPL. Achei a ideia simpática, a SIC podia até doar permanentemente um espaço, na sua já de si mediocre programação, para tempo de antena aos arguidos presos em prisão preventiva. Ouviriamos deliciados as suas estórias, isto apesar de cá fora todos termos histórias de infância de sobra para contar.
Um sentimento ou chamemos-lhe feeling que sinto em relação a tudo o que Carlos Cruz tem feito, os recursos dos recursos, as crónicas e elogios das mulheres e ex-mulheres, os apelos e almoços filmados dos amigos, as capas de revista do casal então feliz, as estórias de Natal, tudo, acho que era tudo o mesmo que eu faria ou promoveria, se estivesse numa situação semelhante, figura pública presa e... me soubesse culpado! É óbvio que imaginarmo-nos naquela situação é um exercício díficil, e pode ser que seja apenas o estilo “1,2,3” do homem, estilo que pessoalmente nunca admirei, que já o transformou numa figura mediática da televisão, que conseguiu trazer o Euro 2004 cá para dentro, talvez aquele mesmo estilo e estratégia certa para lhe trazer a liberdade.
Embora acredite menos no Pai Natal que nele, acredito mais na Justiça e inclino-me para essa ideia feita que diz que onde há fumo há fogo. Acredito que não é de animo leve que se podem prender várias figuras mais ou menos importantes e mediáticas sem que hajam contra elas efectivamente provas fortes e evidentes. Acredito que ele teria estado envolvido nalguma coisa menos limpa, mas que talvez do seu ponto de vista não será tão suja quanto um bem engendrado complot quer fazer parecer, não se revestiria duma gravidade tal merecedora duma prisão preventiva. Ele, os seus advogados, apostarão tudo nessa convicção, nesse processo de vitimização que continuamos a assistir.

Apanhado

Saddam. Faltam só o Bush e mais uma dúzia.

Publicidade gratuita #3

Quando já julgava que existiriam castanhas podres em toda a parte, Setúbal, Praça do Bocage, o homem das "quentes & boas", e grandes e saborosas também, dá duas por cada podre que encontrarmos na duzia. Não encontrei.

segunda-feira, dezembro 15, 2003

O Gustave é que sabia

"Tenho meditado numa coisa que aliviará a minha cólera (...) vomitarei sobre os meus contemporâneos o mau gosto que me inspiram.", Flaubert (1821-1880)

sexta-feira, dezembro 12, 2003

Notícias do Espaço

- Na cama sou capaz de te levar á lua!Felizmente até agora todos os extraterrestres que apareceram falam um inglês impecável e há tamanhos de roupa para eles na Zara. No ultimo episódio, uma extraterrestre muito bem penteada apaixonou-se pelo comandante Koenig e o gajo deu a face. Quem começou a ver o caso mal parado foi o pai da pequena prateada que gostava mais do humano como cobaia para as suas experiencias antropológicas que como genro. A ideia de ter netos com a cara do comandante começou a atormentá-lo e vai daí, foi uma trabalheira separar os pombinhos e recambiá-lo de volta para a base lunar onde a Dra. Helena o recebeu sem cíumes e sem saber do affair.
Saruman mais novo, quando era fã dos Kiss! Os episódios sucedem-se psicadélicamente delirantes e sucedem-se as aparições de actores ainda mais clássicos que a própria série: Christopher Lee, um dos mais famosos dráculas de sempre, o Saruman do "Senhor dos Anéis" ou o Conde Dooku da "Guerra das Estrelas"; Peter Cushing o eterno Van Helsing e o barão Frankenstein, ambos dos saudosos filmes de terror dos anos 60/70 da Hammer.
Cada episódio do "Espaço 1999" é uma pequena e bem hermética obra de arte tecno-kitsh imperdível. Sempre que se justificar e não tiver mais nada que escrever, voltarei á antena com mais notícias.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

Buy n' play

BUY
Como qualquer gajo com mais de 30 anos, não pude deixar de ficar indiferente ao acontecimento editorial do ano: a edição de todos os episódios do “Espaço 1999” em DVD (1ª fase composto por 6 = 25 episódios). Lá mandei vir o pacote, a minha primeira compra pela Internet.
PLAY
Passados todos estes anos, senti alguma emoção quando no écran vi surgir o celebre genérico da série, com a sua inconfundível musica e a as habituais cenas do episódio que iremos ver dentro de momentos. Só por esta comoção, dei automaticamente por bem empregues as 10 mocas. Depois comecei a ver a série, vinte e tal anos mais velho.
As interpretações estão muito convincentes, os decors a la 2001 estão fabulosos e as histórias tem um dom psicadélico que justificou o encantamento de toda uma geração.
PAUSE
A lógica dos episódios do espaço 1999 acenta no seguinte princípio: “Tudo o que pode correr mal, vai correr mal”. Depois, para resolver a história, 90% das vezes sem explicação, “tudo o que deveria correr mal, vai correr bem”. É linear e para mais explicações é favor dirigir-se á inteligência cósmica suprema mais próxima da lua.
Aqui ficam algumas observações, após 3 episódios visionados. Sempre que achar oportuno, voltarei á antena.
Personagem mais dispensável:
Mr. Kano. Em vez dum bem disposto Eddy Murphy, o negro de serviço é pessimista, ri muito raramente e só nos segundos finais dum episódio. Curiosamente, era a personagem de quem eu mais gostava quando era puto. Nas minhas brincadeiras fazia sempre de Kano, enquanto os outros putos todos se degladiavam para ver quem fazia de Alan ou de Comandante. Isto pode explicar muita coisa...
Personagem mais desprezível:
Mr. Paul. É o homem de confiança do comandante Koening. Um “yes man” de bigodes desprezível que logo no 2º episódio, assim que vê Sandra perder o namorado, começa a fazer-lhe olhinhos. Não se faz! Se a minha memória não me falha, o Alan ainda lhe há-de ir aos cornos num episódio lá para a frente e que quero ver se não perco.
Personagem mais comestível:
O panorama é deprimente. Nesta primeira leva de episódios ainda não aparece a Maya, que como é sabido, era mulher e tinha ainda a vantagem de se poder transformar em qualquer outro objecto vivo. Ainda assim, a Dra. Helena leva grande vantagem sobre Sandra. Apesar desta ultima ser mais nova, é baixinha e parece presa demasiadamente fácil. A outra parece sempre mais inacessível, para a idade está muito bem conservada e, apesar daquele ar sempre impassível, consigo facilmente imaginá-la de saltos altos e lingerie preta.
Personagem mais interessante:
As Eagle. As navezinhas são um verdadeiro espectáculo. Têm manípulos de mudanças e são bastante confortáveis. Não há ali nada de imagens de síntese, apenas aqueles modelos reais que fazem um basqueiro para levantar voo e aterrarem. Gostava de receber uma daquelas miniaturas no natal.
Truque#1 para se ver da melhor maneira o “Espaço 1999”:
Aqui fica apenas mais um truque para quem quiser ver a série e suprimir por completo qualquer pequeno vestígio de tensão que eventualmente possa sentir durante o desenrolar dos acontecimentos de cada episódio: sempre que aparecer uma eagle a ser pilotada por alguém sem ser o Alan, é certo, era uma vez uma nave.
RESUME PLAY

Sociedade Secreta De Tetas Invasoras

Provavelmente, o blog com o título mais sugestivo da história. É da galera.
e ainda...
Acabadinho de descobrir e directamente para os meus links de eleição: A Gaiola Aberta. A par com o "Espaço 1999" um dos maiores 'musts' da minha infância. Agora em blog posted by José Vilhena himself.

terça-feira, dezembro 09, 2003

Missão cumprida

Um casal de idosos, que nunca foi a Marte, vive os seus últimos dias satisfeito porque, entre outras coisas, o filho, pessoa estimada por todos e invejada por outros, conseguiu passar pela vidinha, por esta vidinha, sem nunca dar em louco. Coisa rara, já dá para morrer feliz.

Ultima hora

Fico a saber, existem homens bonitos demais para o gosto das mulheres. O contrário nunca se saberá.

sexta-feira, dezembro 05, 2003

quarta-feira, dezembro 03, 2003

Duas consoantes e duas vogais

Não tenho o prazer de conhecer pessoalmente a loira Lili Caneças mas calculo que seja uma personagem absolutamente adorável. Ela sabe ser e estar, irradiando sempre uma invejável espontaneidade pura e profunda por todos os seus plastificados poros. E da sua modelada boca, de tempos em tempos, saem deixas deliciosas, pérolas de sabedoria. A juntar à colectânea que agora me proponho fazer, depois de “estar vivo é o contrário de estar morto”, neste Domingo, no programa do Herman, aludindo ao esforço que o seu conpinska Carlos Castro estaria a fazer para organizar mais uma gala dos travestis: “Ele tem sido incansável, tem trabalhado 24 horas por dia e por noite...”. Nós ouvimos-te Lili.

terça-feira, dezembro 02, 2003

Corridas

A visita relâmpago de Bush ao provavelmente mais bem guardado local do mundo (aeroporto de Bagdad e cantina dos militares americanos) foi dos maiores golpes propagandisticos do século e provavelmente valer-lhe-á a re-eleição, “read my lips”!.
Embora tenha sido a ideia que transmitiu, não teve nada de heróica ou corajosa a atitude do senhor da guerra. Mas e o que têm esses valores a ver com o marketing político ? Igual a si, mais esperto que inteligente, Bush marcou pontos. As imagens dele a servir os militares ou a segurar uma travessa com um peru, são fortes e valem mais que vê-lo a comer frango assado com as mãos. Repararam como ele estava bem ? Sem duplos! Certamente que o George terá tido horas e horas de treino.
De volta à América, vestido o mesmo blusão ainda com cheiro a peru, Bush acenou para a multidão virtual que o aguardava, como sempre, fazendo adeus para as câmaras, tranquilizando e enganando todos, como eles gostam. Não o ponham a correr dali para fora que não é preciso!
...
Terminado o sorteio do Euro 2004, palavra ao futebolista da selecção nacional: “Infelizmente a sorte não nos acompanhou!” Futebolista e basta! Ok, já sabemos que todas a s equipas são boas e que as que nos calharam no sorteio, essas então, nem se fala. É sempre essa a conversa, a nossa sina. Sorte sorte era Portugal, como país organizador, estar automaticamente apurado para a final!
A ideia de que não é preciso jogar bem, antes esperar pela sorte ou pelo azar, parece estar perigosamente enraizada nos jogadores da selecção. Ponham-se a olhar para a cor das camisolas dos outros e não corram que não é preciso!
...
Oiço na rádio que o próximo hospital a construir em Loures terá uma área equivalente a três campos de futebol. A área ardida este ano pelos fogos florestais terá sido equivalente a vários milhares de campos de futebol. O meu carro percorre baliza a baliza em 22 segundos. Na assembleia da republica existem deputados equivalentes a 20 equipas de futebol. A minha casa é do tamanho duma pequena área. Apareceu-me nas coxa um inchaço do tamanho de uma marca de grande penalidade que não sei se será grave, mas custa-me correr! É urgente a publicação duma tabela de conversão das medidas futebolísticas para as do costume e vice versa.
...
Parecemos cada vez mais um país miserável á babugem de uns trocos estrangeiros. Nós e as nossas contrapartidas, sempre prontos a receber de braços e sabe-se lá que mais aberto, prestigiados eventos desportivos e outras mediáticas organizações, que venham elas. Supostamente serão estas coisas que nos darão reputação, a evolução do país está dramaticamente dependente das expos, americas cups, e euros.... Mas quem nos anda a meter estas coisas na cabeça ? Não podemos correr com as nossas próprias pernas ?
...
Os taxistas querem que as corridas a partir do aeroporto de Lisboa tenham uma taxa mínima para compensar o tempo de espera que têm de fazer. Ex: estão na bicha dos taxistas na palheta uns com os outros uma ou duas horas para depois quando chega á vez deles o cliente querer (apenas) uma corrida até Entrecampos! 500 paus ?!! Assim não rende! A lógica daqueles senhores é extraordinária: O cliente tem que pagar também o tempo que eles esperaram! Mas, alguém os obrigou a estarem ali ? Que se lixem! Quando é que o metro chega ao aeroporto, quando é que o aeroporto é servido com meios de transporte condignos ? Corram-nos dali para fora!

sexta-feira, novembro 28, 2003

Introdução à dramática vida do Zé (com fim)

Zé Gaspar vive num prédio degradado numa zona também dos subúrbios. O sentido de responsabilidade e vergonha, incutidos pela educação provinciana dos pais sempre sob a supervisão dos céus e a benção do pároco local, fez com que desde há cinco meses seja o único morador a pagar o condomínio, para além do vizinho indiano do rés do chão, actual administrador. Quantia global manifestamente suficiente para manter em pagamento a luz de passagem da escada, insuficiente para reparar o elevador, há já algum tempo condenado sem reparação pela ultima visita dum técnico que ainda hoje está a arder. É certo que os sacos do hipermercado a carregar para o 7º andar são cada vez em menor numero e mais leves, mas os degraus parecem eles próprios efectivamente mais altos e pesados, da idade. E Zé tem agora, desde o início dum ano passado à meia noite num engarrafamento provocado pela morte duma bateria, essa recompensa e o estimulo acrescidos, de ao cimo das escadas avistar a imagem irreconhecível, cada vez mais, da sua mulher, que o vem receber, a perna esquerda a rebentar pelas costuras de tanta variz, de tanta escada subida e descida, no meio do lixo que se acumula nesta que nas outras era trabalho sempre elogiado que fazia com afinco, a limpeza.
A Zé valem-lhe as breves paragens que faz quando passa pelo 5º andar esquerdo, quando bate á porta, naqueles dias incertos, aquele bater do costume, e é recebido pela vizinha que o trata por “amorzinho” e que com tanta habilidade lhe desvia a atenção das pernas em estado semelhante ou pior que a da mulher. Mas respira melhor àquela altura, vá-se lá saber porquê, ela mal casada assumida parece adivinhar-lhe a visita, e ao contrário do que o marido diz depois da 5ª imperial quantas vezes paga pelo amigo Zé, ela apresenta-se sempre lavada, com cheiro a sabão macaco debaixo do eterno pijama amarelo que, mas porquê, teima em não desbotar, e contribui para aumentar o rol das coisas que os homens têm que nunca serão bem compreendidas. Não são mais que cinco ou 10 minutos, que reforçam a pena e o misto sentimento de culpa que a mulher de Zé sente quando abre a porta e o vê chegar cansado uns dias, incertos, mais que outros, naquele estado.
Se houvesse por aí uma vida em conta, ele não hesitaria.
Fim.

quinta-feira, novembro 27, 2003

Choque térmico

Numa ainda madrugada muito fria, uma mulher qualquer bela passa um sinal recentemente vermelho com o seu recente Mercedes. Leva os ombros á mostra e só ela sabe quando os destapou. Agasalho-me.

quarta-feira, novembro 26, 2003

Neste momento...

Três mil mulheres colombianas dirigem-se em autocarros, sem escolta policial ou militar, até Putumayo (Puerto Caicedo), epicentro da guerra civil, perigosa zona onde se verifica maior actividade por parte da guerrilha na Colombia. Contra a guerra e a violência sobre as mulheres.

terça-feira, novembro 25, 2003

Geração dah!!!

Visto a minha gabardina até aos pés, encho-lhe os bolsos com rebuçados, meias pretas até aos joelhos e os sapatos de executivo impecavelmente engraxados. Acerto o relógio da sala e saio de casa na direcção do gradeamento da escola secundária mais próxima. As minhas pistas apontam naquele sentido. Para efectuar este trabalho de campo, tenho que passar o mais despercebido possível, enquadrar-me no meio ambiente escolar. Não posso ser apenas um encarregado de educação qualquer que aparece por ali armado em tótó a fazer perguntas. Não posso correr o risco de aparecer uma auxiliar de educação interrogando-me sobre o que estou a fazer, ou um professor dando-me lições acerca da inutilidade da minha pesquisa: saber o verdadeiro significado, buscar a etimologia da genial e enigmática expressão ‘dah!’.
Não tarda e surgem junto a mim duas teenagers. Não vou perder tempo a descrevê-las, mas uma faz-me lembrar a Britney Spears e a outra a Doutora Helen da longínqua série “Espaço 1999”. Suponho que são normais. Apesar dos avisos nas grades, passo-lhes guloseimas que elas devoram com aquele prazer próprio de quem se está borrifando para as dietas. Rapidamente começam a desbobinar tudo. A expressão “Dah!” há cerca de um ano que circula nas escolas. “Pelo menos na escola de cima também!” Muito antes, portanto, de ter sido utilizada massivamente na publicidade duma conhecida operadora de telemóveis. Não me sabem dizer os nomes dos trisavôs, e tal como acontece com as anedotas, não sabem dizer quem foi o autor, quem pela primeira vez terá proferido “Dah!”. Um momento de divina criatividade, ou vocalização espontânea... Explicam-me que recorrem vulgarmente á expressão sempre que alguém se comporta ou tem uma observação própria dum atrasado mental, nomeadamente colegas do sexo masculino, que naquelas idades é muito vulgar comportarem-se como tal. O “dah!” é acompanhado dum movimento oscilante da mão junto ao peito ou na testa, simulando um descontrolo físico ou ‘tapadice’ que muitas vezes caracteriza os “atrasadinhos”.
Por exemplo, há bocado o Migui disse-me:
- Já vistes as mamocas da Rita todas para cima ?! Não gostavas de ter umas assim ?
- Dah!!...
(lá está o gesto da mão) Ela usa ‘wonderbra’!!!” (a ultima silaba arrasta-se, tal como o ‘dah!!’)
Por toda a parte ouvem-se toques polifónicos. Ting-tong-daing-telim-ding-beng... e por aí fora.

segunda-feira, novembro 24, 2003

Dentro do contexto

"Não há nada que dê mais vontade de rir que um português a chorar. E o inverso também é verdadeiro: um português a rir-se dá vontade de chorar.", Ernesto Sampaio, in Diário de Lisboa, 6-2-1987)

sexta-feira, novembro 21, 2003

Frame #1

alien 4

*Anedota de Elite #4 (Estamos obcecados com a M.F.L.)

"Manuela Ferreira Leite está no seu luxuoso gabinete e diz para um secretário:
- Vou atirar esta nota de 100€ pela janela e fazer um português feliz.
- Srª Ministra não acha preferível atirar duas de 50€ e fazer dois portugueses felizes?
Entretanto um escriturário ouve a conversa e diz:
- Não faça isso Srª Ministra. Atire antes 20 notas de 5€ e faça 20 portugueses felizes!
Ouvindo isto tudo, sugere a senhora das limpezas:
- Porque é que não se atira a senhora da janela e faz dez milhões de portugueses felizes?"
*a circular na net.

Ligações inofensivas

Homens, mulheres e predadores.
Estadionite - a nova doença atinge (também) a China.


quinta-feira, novembro 20, 2003

Idiotas

De temps-en-temps devíamos parar para pensar, reflectir seriamente sobre o nosso estado, se não estamos a ficar assim. Procurar esses sinais mais ou menos evidentes e tentar corrigir, inverter a tendência. É cada vez mais fácil tornarmo-nos nuns, num processo gradual e invísivel que nos passa despercebido, assim como passa aos outros porque estão como nós. Deveria ser instituído um dia nacional contra a idiotia. Pelo menos, uma vez por ano...

quarta-feira, novembro 19, 2003

Prêt-a-porter

Há pessoas vestidas que mesmo que lhes aparecesse pela frente a felicidade toda despida, nunca saberiam o que fazer com ela.

terça-feira, novembro 18, 2003

Inoculação

Pior que as gripes, aproxima-se perigosamente a época das greves. Já me preparei para não fazer nenhuma! Mas que fique bem claro, não sou um fura-greves.
Estão a ver aquele tipo que trepa pelo portão fechado a cadeado, querendo ir cumprir o seu dever laboral e contribuir com a sua microscópica parte para o futuro e progresso da nossa grandiosa civilização? Sou eu. Sou eu, contra estas greves, salto o portão para mais um dia de trabalho que é para isso que cá ando, que cá me puseram, um dia atrás do outro, eu, sozinho se for preciso, até vir o fim da paciência ou o fim do mês, que felizmente chega sempre primeiro. Sou o único a furar a greve ? Sim sou o único, mas isto não é greve que furo, digo e volto a dizer que não sou a vergonha da classe. Se acham que sim, que se lixe, não percebem nada disto! Greves para quê ?! Eu não faço greves. A greve é coisa do século ante-passado e provoca-me alergia agora nestes Invernos do Século XXI. As greves agora são peças de colecção para os sindicato e um alívio para as finanças públicas (umas grevezinhas agora davam jeito não era senhora ministra das finanças e restante séquito?). O que não se faz hoje, faz-se amanhã, o que não se fez nunca, far-se-á algum dia. Muito litro de gasóleo se vai poupar, muita electricidade, telefone e água do público e de algum privado, muito dia de ordenado. Mais uma bolha de oxigénio para o déficit asfixiado.
Ninguém faz greve, todos brincam ás greves. Eu não gosto desta brincadeira, não brinco. Todas a gente sabe que quem manda nisto tudo são os senhores Sony, Microsoft, Samsung, Hollywood, Benfica, Honda, (Sr. Honda como está ? Há muito tempo que não lhe compro um carrinho! Mas a culpa não é minha sabe...) e outros ou ninguém sabe ? Saibam então que esses é que são os nossos verdadeiros patrões, e são mais que as mães, e os Durões e Bagões todos juntos. Se pensam que lixam este par de enfeites desenganem-se, que a culpa deles vale alguma coisa mas não o suficiente para valer os nossos dias de ordenado perdido.
A greve deste século é a greve ao consumo e não ao trabalho. Que sofrimento, caraças, já se imaginaram passar um mês sem comprar nada de verdadeiramente inútil ?... Nem quero pensar!.. Mas o que é uma greve sem algum sacrifício ? Destas é que não. São fáceis de fazer, são uma brincadeira. Não se vai trabalhar e já está. No dia seguinte trabalha-se outra vez, e tudo continua a estar pior, todos julgarão estar de mãos lavadas.

segunda-feira, novembro 17, 2003

Agora vais-me dizer o que vês nesta imagem #1

- Se eu não lhe acertar na testa, acerta-lhe tu nos respectivos testículos!Vejo o Harrison Ford armado com um pistola que parece verdadeira, apontando-a para alguém. E por detrás dele, o mais novo Josh qualquer coisa, na mesma pose.
De geração em geração. Um gajo com uma pistola na mão parece logo outra coisa.

sexta-feira, novembro 14, 2003

Amizade, uma versão
Num destes domingos de Outono, Domingo bonito de sol, daqueles que vingam um Sábado chuvoso, que nos resgatam de um fim de semana de sofá, quando passeava calmamente entre a lama, entre a gritaria dos feirantes, apertado com os encontrões das mulheres febris de mãos cheias de slips e sutiens mais baratos à meia-duzia, fui abordado por um indivíduo de etnia cigana (como gosto deste equilibrismo que faço para não dizer simplesmente “um cigano”) que se propunha vender-me um Breitling por 10 euros. Ora, “um Breitling é um relógio de pulso que custa nas ourivesarias, o mais barato, á volta de 1000 euros”, pensei eu. “Posso ver?”. E pude ver-me introduzido, para grande desilusão minha, não no excitante universo da receptação como esperava, antes no inútil universo das réplicas perfeitas dos relógios de luxo onde “só os ponteiros grandes funcionam e os outros são para enfeitar”. “Mas oh senhor, quem o ver não vai reparar nisso.” E mostrou-me outras marcas e modelos, mais caros, com maior requinte na imitação, mas os mesmos ponteiros pequenos, os cronómetros, os indicadores dos dias, da reserva de marcha, parados... “Os seus amigos vão pensar que é verdadeiro!”.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Sinal dos tempos #2732

Adeus "Mundo Encantado dos Brinquedos do Continente"! Bem vindos ao "Palácio Encantado..." Quatro paredes sempre são mais seguras, menos turbulentas que o "mundo". Um Natal mais aristocrata portanto.

quarta-feira, novembro 12, 2003

Lojas do chinês: o meu veredicto
Não tenho o espirito activista que norteia as associações que aguerridamente defendem os direitos dos consumidores. A própria palavra “consumidor” assusta-me e é vista por mim mais como uma maldição do que como esse adjectivo que afinal de forma implacável traduz a nossa condição por estes dias, aquilo que todos somos, cada vez mais, meros consumidores, desde afectos aos últimos modelos da swatch.
Defender o “consumidor” cheira a defender o “consumismo” e por isso penso que a questão deve ser antes atacada que defendida, atacando-se portanto quem fomenta o consumismo ao desbarato.
Assumindo no entanto esta realidade incontornável, a de que somos todos, e cada vez mais, antes resignados consumidores que cidadãos alertados, decidi fazer um vasto estudo tipicamente ‘consumista’ acerca das “Lojas dos Trezentos”, essas instituições respeitadíssimas, que me habituei a frequentar sempre que tinha que fazer tempo antes duma ida ao dentista ou quando tinha que comprar prendas de natal para os colegas.
É com algum desalento que tenho vindo a constatar o desaparecimento gradual deste tipo de lojas que assumiam verdadeiramente o seu preço e vocação no próprio nome. Assumiam uma honestidade e um comunismo nos preços únicos, uma excelente relação preço ridículo / qualidade dúbia que a todos tranquilizava, quando se sabia que entre lojas, sendo sempre o mesmo preço, não haveriam grandes discrepâncias, ou seja, dificilmente as pessoas se sentiriam ludibriadas até porque nem sequer se davam ao trabalho de comparar preços.
As coisas têm vido a alterar-se, a começar pelo próprios nomes das lojas, cada vez mais pretensiosos, pelos produtos exibidos nas suas prateleiras, cada vez mais inacessíveis ao consumidor teso comum, pela sensação de insegurança e desconfiança que transmitem ao consumidor tal a variedade afinal de preços.
Quando os chineses viram o Mc Donalds e outros similares ameaçarem a sua multiplicação na área da restauração, decidiram arrumar os wooks e deslocar parte do seu core business para a versão chinesa das “lojas dos trezentos”. Surgiram assim as famosas “lojas dos chinês”, que de imediato começaram a proliferar um pouco por toda a cidade, trazendo com elas uma vasta panóplia de produtos típicos da barata mão de obra chinesa e que rapidamente substituíram os bibelots típicos da velha pechincha portuguesa.
Ainda assim, algo que as lojas dos chineses trouxeram de bom foi a assumida concorrência entre chineses, provavelmente entre continentais e taiwaneses. Daí, um bom consumidor de artigos supérfluos como o são 94,5% dos que este tipo de loja oferece, tem que estar atento ás oscilações dos preços dum mesmo produto entre lojas de diferentes chineses, oscilações essas que em certos casos chegam a ser escandalosas.
No sentido de concretizar o meu estudo, iniciei uma série de visitas sempre a dias e horas diferentes a 4 (quatro) “A lojas do chinês” ao calhas. E a seguir, seguem as conclusões do meu estudo, as minhas compras na loja do chinês de Campo de Ourique, que em boa hora incluí neste estudo, que é indubitavelmente a minha “ESCOLHA ACELTADA”, superando todas as outras lojas em quase todos os domínios, variedade, arrumação, asseio, sotaque e, nomeadamente, quanto ao preço. Entre parêntesis acrescento a cada item o preço médio verificado nas outras três lojas do chinês.

As minhas compras na “Loja do Chinês” – delegação Campo de Ourique

- 1 sofisticado porta-chaves / cadeado em prateado com mecanismo incorporado de abertura através de uma combinação de 3 algarismos (999 combinações possíveis), em metal especial e inviolável, pelo invejável preço de 2€ (não havia à venda noutra loja)
- 1 ultra-resistente barra de torção (equipamento de musculação), com molas helicoidais em aço inoxidável, tratamento anti-ferrugem e pegas em borracha para máxima aderência e conforto, por apenas 8€ (9€)
- 1 termómetro de alta precisão e de dupla graduação em graus centigrados e farenheit, em mercúrio vermelho e puro, com base em madeira natural e adaptador para prego de parede, por apenas 1€ (2€)
- 1 pack de dois fabulosos baralhos de cartas tipo ‘magic’ mas com soberbas ilustrações coloridas e reflectoras, oriundas do universo manga japonês por apenas 4€. (5€)
- 1 hipnotizante imagem de nosso senhor jesus cristo com um coração brilhante nas mãos, ladeado por nossa senhora com a mesma clonada coisa nas mãos, imagem emoldurada numa requintada imitação em ouro, com efeitos especiais de luz e movimento psicadélicos, funcionando a electricidade e com 1 ano de garantia, pelo milagroso preço de 12,5€ (16,75€)
- Estive tentado mas não comprei, uma bola de borracha anti-stress com a forma de um seio feminino (peça de invulgar requinte garanto-vos, que ficaria sempre bem à mão, dentro da gaveta da secretária).

Como se pode verificar, estas compras, efectuadas na “Escolha Aceltada”, num total de 27,5€, resultaram numa economia de 7,25€, o que me deixou, e deixaria quem quer que fosse, histérico de alegria.
Como não quero estar a ser injusto para com as outras lojas do chinês, onde apesar de incógnito teso do costume fui sempre bem recebido com todos os ‘éles’, apresento agora os pontos fortes de cada uma, sugerindo aos ávidos consumidores que se dirijam as mesmas, caso estejam especificamente interessados nos produtos em apreço.
- Loja do chinês do Rato (produtos kitsh, pop-art, limpeza e menage)
- Loja do chinês do Camões (produtos de papelaria, doçaria e carteiras de senhora)
- Loja do chinês de Alvalade (chinezices genéricas e ferramentas e bricolage)
- Loja do chinês de Campo de Ourique (gadjets, relojoaria e tudo o mais)

segunda-feira, novembro 10, 2003

Chico-Espertismo ligado a si
A PT foi condenada pelo Supremo Tribunal de Justiça a devolver quantias ilegalmente cobradas aos (todos) seus clientes durante o ano de 1999. No mundo perfeito dos administradores e accionistas da PT, não existiam nem concorrência, nem associações de defesa dos consumidores e muito menos tribunais a dar-lhes razão. Mas paciência... Felizmente, como não guardaram as facturas dos seus consumidores referentes àquele ano, terão de ser os próprios interessados a apresentá-las se quiserem reaver o SEU dinheiro ilegalmente surripiado. Felizmente, ainda, para eles, em boa hora tiveram a esplendida ideia de devolver aos consumidores lesados e com as facturas religiosamente guardadas, não o dinheiro como moralmente deviam, antes o equivalente em crédito para aquisição futura de serviços (chamadas) ou produtos (telefones...) da PT. Até aqui, tudo mal. É visível a má fé da PT, o cinismo com que se sujeitou á sentença do mundo (ainda) real e como a está a executar, muito pouco voluntariamente, quando diz não ter guardadas as facturas dos consumidores, sabendo toda a gente que tais facturas não serão mais que registos informáticos dos quais qualquer empresa de telecomunicações daquela envergadura e de bom senso teria feito um back-up. O mais certo são esses registos existirem sim senhor, algures num disco rígido qualquer. Mas no mundo perfeito daquela empresa, não existem, hipócritamente, convém que não existam.
Mas tudo pode piorar ainda mais quando na televisão vemos um representante desse mundo perfeito, um administrador da PT, de carne e osso e gel no cabelo, porta voz da empresa, explicando, com a candura que só os grandes cara de pau conseguem ter, as inexplicáveis regras para quem quiser jogar o jogo do 'Onde pára o meu dinheiro?'.
Acho que já estamos todos habituados a suportar o chico-espertismo barato do costume. Já nos habituamos a ver políticos, areeiros, construtores civis, taxistas, nem todos e outros que não estes bem portugueses, exercerem com mestria esse autêntico desporto nacional. Muitas vezes mero aquecimento para a verdadeira actividade desportiva por excelência, a corrupção, que por acaso não virá agora ao caso. Mas quando o chico-espertismo chega-nos de onde menos se esperava, de uma empresa que quase símbolo nacional que é, deveria ser e dar exemplo de correcção e boa fé, empresa com a qual temos um vinculo contratual, a coisa pia mais fino. Na sexta feira á noite, quando soube de mais esta pérola da gestão de empresas 'made in portugal', fiquei instantaneamente desconfortável e contaminado... A PT estava 'ligada a mim', eu ligado ao chico-espertismo... Constatei que naturalmente as minhas facturas do telefone de 1999 já há muito que tinham sido recicladas. Comecei a aperceber-me que contribuía com a minha cota-parte para o ordenado recebido por aquele rapaz administrador, que de algum modo contribuía para todo aquele gel que lhe empastelava o cabelo. E ao fazê-lo estava a contribuir e a concordar com o perpetuar do chico-espertismo empresarial nacional... Não adiantava mudar de posição no sofá, não adiantava mudar de canal para não ouvir mais o gajo do gel. Adiantava sim mudar de operador telefónico, adianta mudar para a concorrência. Neste momento estarei já a pagar, não o gel, antes talvez o tratamento capilar a outro senhor administrador qualquer (não se consegue evitá-los), que isto nas telecomunicações em Portugal, ser cliente da PT, ou ser administrador da concorrência, deve causar muita dor de cabeça, muito stress e consequente queda de cabelo.

sexta-feira, novembro 07, 2003

- É só carregar neste botão e transformo-me num 'serial porno-photographer'!One minute post
"One Hour Photo" ("Camera Indiscreta", de Mark Romanek, 2002, em DVD) é mais um grande filme daqueles talvez demasiadamente discretos para o gosto do público em geral, apesar de contar com o popular e versátil Robin Williams, em mais uma grande interpretação. São filmes assim que me fazem (ainda) acreditar no cinema 'made in Hollywood', filmados sem grande aparato, sem as habituais concessões à disciplina comercial dos grandes estúdios.
É uma das mais bem contadas histórias de suspense e medo dos ultímos anos. O tipo de história que faria as delícias de Hitchcock.

quarta-feira, novembro 05, 2003

Singelas contribuições para o meu daltónico auto-conhecimento
Terei descoberto um surpreendente padrão no meu irregular consumo de revistas. Já não bastava ter chegado à conclusão que afinal orientava-me muito mais pelos gostos da maioria do que aquilo que julgava, e agora sinto-me como um chimpanzé a fazer um teste de Pavlov... Vi nas bancas a Maxmen (ex Maxim, ex Super Maxim) e senti logo o impulso de a comprar... Autêntico reflexo condicionado, comprei-a.
Tenho em casa, guardadas naquela pilha de revistas que são para guardar, os números anteriores das Maxmens compradas e que pretendo preservar para a posterioridade. Foi naquela molhada que descobri que, pondo de parte as revistas que traziam na capa a Mónica Belushi e a Denise Richards, comprei todas aquelas que prometiam mais fotos duma qualquer loira seminua no seu interior! Sendo consumidor mais ou menos regular da revista, falhei no entanto os números que, agora concluo, traziam na capa fotos de morenas ou ruivas... Se na capa vinha uma loira, foi comprada de certezinha absoluta (tirando a que trazia na capa a Alexandra Fernandes, pouco apelativa).
Confesso que nunca julguei que teria uma preferência assim tão evidente... Sempre detectei beleza em todo o corpo sobejamente feminino, independentemente da cor do cabelo, da pele, do batôn ou da altura dos sapatos de salto alto. Longe de mim recusar liminarmente qualquer tipo de contacto explicitamente mais estreito com não loiras, avesso a superstições que sou, e nunca me pareceu lógico fazer qualquer tipo de discriminações generalistas entre loiras e morenas. Há morenas feias e bonitas, assim como há loiras e ruivas e por aí fora. O que é feio e bonito é naturalmente relativo a cada apreciador que por sua vez não tem nem loira nem morena, antes sempre cinzenta, aquela parte do cérebro onde se registam as suas preferências e referências volumétricas.
Mas perante aquelas provas de compra, assumo a minha involuntária preferência: Este gajo prefere as loiras sim senhor, seminuas!... E todo o restante universo feminino, bem vestido ou bem despido, consoante... A beleza agasalha-se, esconde-se em lugares por demais visíveis...

terça-feira, novembro 04, 2003

Os efeitos acústicos da bola de cimento
Para o caso de ainda ninguém se ter apercebido, vamos ter mais 4 longos anos de altamente provável jejum no Benfica. Luís Filipe Vieira ganhou as eleições com uma vantagem, diria, escandalosa. Foi um grande feito da arquitectura e da construção civil portuguesas.
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Mais extraordinária ainda é a acústica da grande obra. Diz quem já assobiou no novo estádio, que é espectacular o efeito ‘surround’ 65000:1.
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Depois de ganhar é fácil prometer: “500 mil sócios em 3 anos”. Exagero ? Claro! Mas fonte ligada ao presidente já veio esclarecer que a promessa não se referia a “sócios” mas sim a “500 mil sacos”... de cimento. Prevê-se a construção de diversas monumentais casas do Benfica. A TVI já assegurou o exclusivo das inaugurações.
...
Entretanto fala-se já na comercialização de capacetes de obras oficias do Benfica com o respectivo logotipo afixado na parte da frente. Ao contrário dos verdadeiros, estes não serão de uso obrigatório, assegurou fonte ligada ao estaleiro benfiquista.
...
A direcção encarnada prevê também a comercialização de martelos oficiais do Benfica, que utilizados no final dos jogos contra o respectivo capacete, criarão um também espectacular efeito acústico. Há que explorar as potencialidades do novo estádio, substituindo-se assim o pouco ruidoso velho ritual do pano branco, um reconhecido plágio do 13 de Maio.
O ultimo escritor do mundo #1
Por vezes chegam-nos livros de quem menos se espera: Saddam Hussein, "Zabiba e o Rei", publicado na colecção "Contemporânea" da Europa-América.-

segunda-feira, novembro 03, 2003

Passatempo da Idade Média
Porque é preciso não esquecer, fica aqui o desafio, associar-se o nome à obra de alguns dos maiores facínoras da história, muitas vezes injustamente esquecidos:

A. Papa Pio XXII
B. Papa Nicolau V
C. Papa Inocêncio VIII
D. Papa Paulo III
E. Papa João XXII

1. Reforçou a autoridade inquisitorial em 1450.
2. Elaborou a Bula que ordenava às autoridade seculares cooperação total com os inquisidores, concedendo à Inquisição poderes judiciais e executivos em assuntos de heresia e bruxaria.
3. Apercebendo-se do potencial remunerativo que a caça à ‘bruxaria’ traria aos cofres da igreja, concedeu poder formal à Inquisição em 1320.
4. "Mediante 80 soldos pagos à Santa Sé, consentia que os leigos dormissem com as mães e irmãs, e por pouco mais os pais com as filhas; permitia ainda aos diáconos o assassínio com as condições de darem 240 soldos; aos bispos e aos abades um pouco mais abonados, o direito de apunhalarem o semelhante, se dessem 300 libras."
5. Passava o melhor do seu tempo a gerar filhos, que depois elevava a cardeais.
(solução: A.3 – B.1 – C.2 - D.5 - E.4)

quinta-feira, outubro 30, 2003

'Se quizerem um sorriso comprem primeiros os dvd's dos meus filmes!'Ícone 7.0
Denise Richards personifica num só precioso canastro toda uma vasta panóplia de imagens típicas que desde sempre nutriram o imaginário de qualquer bípede agora com idade para usar uns ray-bans. Ela é a típica cheerleader, a típica filha mais nova do nosso chefe, tem os típicos lábios, um cabelo típico, a típica gaja irresistível mas que nos faria hesitar e pedir-lhe primeiro o BI para confirmar a maioridade, a típica actriz que pouco mais terá para além do sorriso bonito (mas e quem quer mais ?!), ela é o mais aproximado que os americanos conseguem ter da típica Laetitia Casta.
E se pensam que o filme onde ela aparece em melhor estado de degustação visual é o “Wild Things” (filmezinho medíocre por sinal), estão selvaticamente enganados. A pequena aparece em grande forma em “Undercover Brother”, um filme de ‘blacks’ com alguns gags de se lhe tirar o chapéu e uma Denise de se lhe tirar aquela justinha farpela branca.

quarta-feira, outubro 29, 2003

'Fui ontem ao Vidal Sassoon!'Reflexões sobre o espantosamente belo
Na realidade um interior espantosamente belo não existe. Apenas a beleza exterior pode-o ser.
*
Quando se fala do espantosamente belo, estou em sintonia com os gostos universais da maioria. Por maior que seja o fosso social e cultural que nos separe, a gaja que povoa o imaginário do pedinte da esquina ou daquele gajo que vai a ler o "Record" e a coçar as meias brancas, é a mesmissima gaja que povoa o meu. Dada a minha alergia ás maiorias, isto ás vezes dá-me que pensar...
*
Um mais ou menos mal disfarçado mau feito pode conferir à distinta proprietária do mesmo muita sensualidade (proporcional aos atributos fisicos visivelmente evidentes), criando num gajo a necessidade diria que cristã, de transformar a vítima num objectivo que a todo o custo necessita ser conquistado e exorcizado, conduzido para o lado do bem.
Ideia do diabo
"As pessoas espantosamente belas raramente são boas, pela simples razão de que não precisam de o ser.", in "Eu, Lúcifer", Duncan, Glenn, Ed. Europa América

segunda-feira, outubro 27, 2003

Orgulho nacional
O Benfica inaugurou um grande estádio no meio de muita lama.
O estádio é bonito à vista, mas transmite a imagem duma equipa e dum país que infelizmente não existem. E mostrada a obra, o deslumbre tudo faz esquecer, sobrando unanimemente elogios vindos até de onde e para quem menos se esperaria.
Vieram-me á memória as grandes pirâmides do Egipto, aquelas obras megalómanas e milenares construídas no meio de nada, no deserto, à custa da exploração do homem pelo homem, que é como quem diz, do escravo pelo faraó. Por muita beleza que encerrem estas e outras maravilhas, não consigo deixar de esquecer a que preço foram erguidas, nem deixar de reflectir sobre a pequenez que está afinal na origem das mesmas...
Na melhor das hipóteses teremos estádio para 50 anos e ego ridiculamente inchado por pouco mais de meia dúzia. Muito pouco para tanto milhão, muito para tão pouca equipa cujo parco futebol mal chega para encher uma capelinha quanto mais uma catedral.-
*
Com tanto desequilibro orçamental, Durão Barroso só por milagre também não se desequilibrou quando se preparava para falar aos orgulhosos Benfiquistas.
A malta cumpriu com o seu decibélico dever de apupar políticos e dirigentes que não os da casa. Durão, no top, sorriso tosco mas sincero, lá se conseguiu equilibrar num discurso macio e com a serenidade de quem sabe que por mais assobio que se oiça, não passará disso, de assobio. Como se viu, é perigosamente fácil a um político pôr benfiquistas a bater palmas .
*
Foi um fim de semana em grande. Depois da festança de Sábado á noite, no Domingo Marcelo da TVI respondeu com muita pinta a um dos Pedroso Bros. Bem encenado o displiscente pormenor aquele de ter deixado quase para o fim a resposta à carta indignada. Afinal na própria carta arranjou o professor ainda mais lenha para quem se quisesse queimar. Atrevo-me a colocar Marcelo na galeria dos meus orgulhos nacionais, a par da Voxx, Mão Morta e Ena Pá 2000.

quinta-feira, outubro 23, 2003

Grande maralha da China!“Hero”
Ao contrário desta minha sazonal gripe que me força a escrever e a conectar-me de casa, não é normal constipar-me com filmes, engripar-me com quaisquer dramas passionais, emocionar-me, por mais dramáticas que sejam as histórias que polvilham o imaginário e arquitectam os protótipos dos "sentimentos puros". A minha resistência a Shakespeare de algum modo sempre me envergonhou, acusando-me de falta de sensibilidade, de ausência de romantismo.... Mas sempre me pareceu a mim que em todas aquelas histórias passionais havia sempre alguma coisa menos impoluta nas relações, nas personagens. Muitas histórias de amor acabavam mal porque infligiam sofrimento atroz e insuportável a terceiros, cujos dramas também não deixavam de inspirar em mim compaixão e compreensão.
Temos tentações inatas para construir becos sem saída mas também a habilidade de estarmos sempre alerta e sabermos construir pelo menos uma saída de emergência. E essas vítimas dos amores impossíveis, proibidos ou condenados, sob a desculpa da loucura do amor e da paixão, sempre ignoraram a eventualidade da coisa dar para o torto.
Ou seja, não havia personagem alguma imaculadamente isenta de algum pecadilho ou defeito de fabrico, ainda que impreceptível, mas sempre oriundo desse lugar lúgubre que é a natureza humana. Ora isso sempre activou em mim um processo de desmistificação, um exercício inconsciente algo cruel para com o aparentemente sublime. Em todas as histórias, inventava interiormente alguma desculpa para a tragédia que surgia afinal como corolário lógico, “estavam mesmo a pedi-las!”. Acreditava que cada final, por mais infeliz que fosse, era afinal merecido, espécie de justiça divina que o agiota contador da história secretamente aplicava para, causa primeira, choque e sofrimento maior de quem lê, eficácia portanto, causa segunda e directamente relacionada com a primeira, poder com isso lucrar... As histórias de final feliz levava-as o vento ou prendia-as a inveja. Temos muito mais tendência para ficar a remoer uma injustiça e consolarmo-nos na desgraça alheia.
Shakesepeare de lado, histórias de amor do cinema moderno à parte, (“Paris Texas” ?! uma comédia!), dramalhões de novela à distancia, o drama bem português, logo, diversamente ficcionado, historiado e especulado, de “Pedro e Inês”, sempre suscitou em mim uma anormal consideração, pelo menos na sua versão mais corrente e romântica. Aquela coisa de se arrancarem os corações pelas costas, aqueles beijos em cadáveres em decomposição, tudo aquilo dava um excelente filme gore! Mas além disso, aquele drama, história de amor casto e cristalino, assim relatada, sempre me tocou deixando-me algo desconfortável perante a injustiça, a pureza dos personagens vítimas, em claro contraste com as personagens carrascas das nossas vidas, e a vileza dos terceiros da história, movidos apenas por um paranóico e deplorável medo de perder o poder. Ora isto fazia automaticamente de mim um gajo afinal normal e não um monstro insensível como pintava este pintor de auto-retratos. Havia aqui algures uma réstea de sentimento e solidariedade pelo drama passional, algures uma lágrimazita espreitava ainda que logo de seguida se recolhesse para o sítio de onde viera. Pedro e Inês, bela e inspiradora história de amor, o romance ideal, sem traições e com sacrifícios, e lá está, um final infeliz, senão provavelmente nunca teria chegado aos nossos ouvidos como milhentas outras histórias que as haverá, de reis e rainhas, filhos e primos, com paixonetas secretas, que amores tão ou mais sublimes e intensos viveram e a sacrifícios também obrigados foram sujeitos, mas porque tiveram desfecho feliz “olha acho que já não sinto nada por ti, Que coincidência, eu também!”, nem à história passaram.
Recentemente
, ouvi na Voxx, um brasileiro que em entrevista a um programa da especialidade (quartas, 21-22) dizia-se percorrer o mundo, e agora em Portugal, estudioso do homossexualismo neste país pai durante a idade média, adiantou números de perseguidos, torturados e condenados à morte pela inquisição, acusados de tais práticas desviantes, e lançou à baila o nome dum rei português reconhecido sodomita (lamento não fixei o nome) e ainda o nome de Pedro, o da Inês. Teria sido afinal bissexual o então príncipe, ao que parece, antes, durante e após Inês. Ora não sei como, expliquem-me, porque apesar desta minha tolerância pelas diversas inclinações sexuais, formas diferentes de amar ou saciar o desejo sexual, fenómenos cujas explicações só a cada um dizem respeito, se não vejo naquela história senão outra mácula, como é possível, após ter tomado conhecimento desta novidade histórica, pequeno detalhe, como é possível que todo o significado, todo o esmagador poder dramático da história de Pedro e Inês e a revolta que inspira, se tenha desvanecido quase por completo ? Hoje apetecia-me dizer que tomara não ter sabido aquele pormenor escondido da vida do, então não duvido, pervertido Pedro, tomara que ele tivesse sido fiel e heterossexual, coisa rara eu sei, mas mesmo por isso, contra a banalização do humanamente vulgar, tomara que continuasse a existir dentro de mim aquele respeito pela arrebatadora história de Pedro e Inês. É que por mais corações despedaçados pelo destino ou arrancados pelas costas, por mais sangue e lágrimas que o dramalhão protagonizado por um bissexual meta, não terá a mesma cor e tempero duma história de amor heterossexual, sem adultério (Ou com adultério também podia ser, veja-se “a insustentável leveza do ser”, o quão de traição não há por ali, o quão apaixonante é a história, o quão com ela se identificou toda uma geração e outras inspira.)
E com isto, pretendia eu falar de “Hero”, um filme chinês produzido por americanos, que, atrevo-me a dizer, tem a mais bela história de amor de sempre contada pelo cinema. Não é normal, mas já vi o filme 4 vezes em quinze dias, e das 4 vezes emocionei-me, descontrolei-me.
Neste momento choro dos olhos, mas é da gripe.

segunda-feira, outubro 20, 2003

The Ferro Sindrome
Pode efectivamente Ferro Rodrigues ter razão, e estar a ser alvo do populismo. Como é sabido, diz a vox populis que “a natureza é uma imensa casa de banho.” Mas, convenhamos, o segredo de justiça não fica atrás de nenhum pinheiro, não é nenhuma moita, nenhum arbusto, onde se possa cagar numa aflição! A meu ver, o caso de Ferro poderá ser do foro meramente clínico. Ponham os psiquiatras a falar dos políticos! Já alguém levantou a hipótese do líder do PS sofrer do Síndroma de Tourette* ?
* Desordem neurológica caracterizada por vocalizações involuntárias e compulsivas de obscenidades (Giles de la Tourette, neurologista francês, 1857-1904)

sexta-feira, outubro 17, 2003

Encontro de blogs #1
Estive a beber sumo de laranja e a comer amendoins no lançamento do livro do Paulo Querido sobre o universo blog (blogoesfera®) nacional. O evento do Mercado da Ribeira/Livro serviu de pretexto para reunir um considerável grupo de pessoal dos blogs que respondeu ao apelo do desde já promissor ‘guru’. Querido teve a gentileza de referir que depois de concluído o livro já tinha tido conhecimento de mais meia dúzia de blogues importantes que não estariam, infelizmente, mencionados na obra. Foi o único momento em que nitidamente senti o ego amaciado.
De resto, estiveram presentes o mais novo e o mais velho blogueiro (em idade conforme b.i., fez-se história), não houve nenhuma aparição de vulto (havia expectativa quanto à aparição do Pipi. Se apareceu não sei, não sou pastorinho!) e o livro custava 13 euros (não há milagres!). O sumo estava demasiado ácido, pouco diluído, não provei as passas e já não estive presente na sessão de autógrafos.
® Blogoesfera é um blogotermo blogoinventado pelo Blogopacheco Blogopereira.
The Marcelo Sindrome
Ainda do pessoal e transmissível da TSF, desta vez o professor Marcelo Rebelo de Sousa, há já algum tempo atrás, desvendava o mistério que fazia vir ao de cima o lado mais matemático de Pacheco Pereira: Confessava Marcelo que, como não tinha tempo, lia na diagonal a maior parte das dezenas de livros que sugeria semanalmente aos domingos na TVI.
Ocorreu-me agora que para promover junto de Marcelo os seus livros, seria óptima ideia os editores imprimirem edições especiais na diagonal. Facilitaria muito a vida e o pescoço do professor.

quinta-feira, outubro 16, 2003

The Freitas Sindrome
Freitas do Amaral será provavelmente o menos Português dos Portugueses. Por mais que tente, não consigo imaginá-lo a beber uma cervejola pela garrafa ou comer com os dedos uma sardinha assada em cima dum bom naco de pão Alentejano. Já consigo, por exemplo, imaginar Jorge Sampaio na mesa duma tasca a jogar dominó com o Almeida Santos, queixando-se ambos do fumo que Mário Soares faz a fumar mata-ratos, e com Durão Barroso a servir ‘copos três’ atrás do próprio balcão da tasca.
É importante sentir-se que aquele em que se vota, podia, ainda que muito remotamente, ser um dos nossos. Por ventura, o relativo insucesso na vida política de Freitas dever-se-á a esta falta de identificação que o povo votante sempre sentiu por ele. Lembremo-nos que o homem perdeu, salvo erro, duas corridas à presidência, teve vários desaires eleitorais e nas mãos um partido à beira da extinção tendo depois arrepiado caminho. Teve reconhecimentos naturalmente, mais visível quando esteve lá longe, na ONU, a muitas portas e gabinetes de diplomatas de distancia da populaça, mais louvável agora, como dramaturgo.
Dizia o dramaturgo numa recente entrevista dada a Carlos Vaz Marques da TSF, que era a favor da instituição dum Senado, algo assim paralelo à já ressonante assembleia da republica, mas mais calminho, supostamente para, nas suas palavras, tirar mais valias de centenas de homens e mulheres ligados ao estado mas sem intervenção política, e que, daquela forma sentada, muito poderiam dar à nação! Freitas a léguas de distancia do estado de espirito nacional, ainda acredita em contos de fadas e pior ainda, numa maior politização do Estado, já de si superlotado, reforçando a percentagem de políticos sentados, indo buscando homens e mulheres que, onde quer que a esta hora estejam, serão porventura úteis e darão menos chatices.
Mas o cumulo do distanciamento de Freitas em relação ao cidadão comum acontece quando a certa altura aponta um dos sinais que evidenciam a sua velhice. Se qualquer português, começa a notar os seus sinais de idade quando repara já não conseguir chamar nomes ao arbitro com a mesma pujança com que o fazia noutros tempos, Freitas diz estar velho porque “agora conhece todos os ministros mas (oh!!) não conhece nenhum secretário de estado (ohh!!)”, ao contrário de outros gloriosos tempos em que conhecia aquela maralha toda.
É comovente imaginar alguém envelhecer assim. Mas é nesta amarga angustia, atacados deste síndroma, que envelhecem os políticos. Chega o dia em que nem ministros já conhecem, depois nem o primeiro ministro, o presidente da republica... Morre-se na mais profunda das solidões, rodeado apenas da família.

terça-feira, outubro 14, 2003

My favorite fetish dreams #1
Eu sou paquete num hotel de luxo e sigo num elevador daqueles com paredes almofadadas em veludo vermelho, levando nas mãos uma bandeja com dois copos e uma garrafa de Martini. Abre-se a porta do elevador e entram a Manuela Ferreira Leite do PSD e a Ana Gomes do PS, e perguntam uma á outra se não se conhecem de algum concurso de misses. Depois começam a discutir sobre quem seria a mais bela e teria mais sinais que evidenciariam uma pessoa do sexo feminino que decidira dedicar a sua vida à política. Por volta do 134º andar, perguntam-me a minha opinião. Eu entretanto já tinha bebido a garrafa de Martini, encontrando-me caído no chão em coma alcoólico. No hospital, mal retomo consciência e abro os olhos, vejo a cara de Ferro Rodrigues e por momentos julgo estar no Inferno. Ele diz-me que estou despedido e só então me apercebo que estou com um hálito péssimo e que deveria ter escolhido outra profissão. Entretanto, num quarto de hotel, a Marisa Cruz, sozinha, desespera pelo Martini com paquete incluído que pediu há horas e resolve ingressar numa equipa de rugby feminina.
Irrespirável
Precisamente neste momento, na Cidade do México, alguém compra por 1 euro uma máscara com 1 minuto de ar puro.
Precisamente neste momento...
Larguem-lhe as canelas!
(novos PS - Provérbios Suaves)

O testemunho do menino é sempre mais falso que o meu.
Quem se mete com crianças, acorda deputado.
Tudo a seu tempo, e os nabos no parlamento.
Melhor uma mentira que dura, que uma verdade que fere.
Apanha-se menos depressa um pedroso que um coxo.
Deputados passados não comem meninos.
Quem com ferro conta, com ferro será absolvido.
...

segunda-feira, outubro 13, 2003

Ilusões paralelas
Acordo e passados alguns segundos estou a pressionar a válvula do gel de barbear. Reparo que estou atrasado, que nunca mais corre água quente, que como de costume não terei tempo de tomar o pequeno almoço em casa. O espelho está ligeiramente torto, a barba ligeiramente por fazer e como habitualmente tenho um gato atento, sentado no bordo do lavatório, a seguir-me os movimentos. É apenas mais um começo de dia, igual a outros começos de dia, sem alternativas ao ritual pós-sono. Excepto agora, num pequeno detalhe. O mostrador do relógio tem inscritas duas letras que indicam o dia em que acordo: SU, o Domingo abreviado, em inglês.
Escrever, escrever num blog também é assim, acordar num Domingo de manhã pensado que se está a acordar numa Segunda feira de trabalho, este ritual do engano e do efémero, esta ilusão qualquer que o tempo interrompe sempre, felizmente.

sexta-feira, outubro 10, 2003

Mantorras pá, a malta quer é golos e não desculpas!Peço desculpa!
Tive acesso em exclusivo a um dos poucos exemplares d’”A Bola”, que ontem saiu sem aquele erro crasso na manchete, quando citava Mantorras (quem ?! é um jogador qualquer do Benfica)! Eis a versão genuína da primeira página, o que realmente Mantorras pediu:

quinta-feira, outubro 09, 2003

Dia da Liberdade
Que país é este, em que um arguido acusado de pedófilia sai duma prisão preventiva para uma medida de coacção de termo de identidade e residência, e tem uma miserável recepção daquelas ? Meu deus, até o Benfica quando faz anos tem direito a fogo de artificio! Como é possível, um tão importante momento da vida da nação, ter sido apenas transmitido em directo por 3 dos 4 canais de sinal livre ? Quantos milhares de espectadores terão perdido o espectáculo enquanto viam as sit-coms americanas do canal 2, o único que não transmitiu o acontecimento ?
Ninguém ficou indiferente àquela recepção fracamente apoteótica do arguido. Entre dezenas de figurantes e sósias contratados em cima do joelho, meia dúzia de deputados genuínos receberam o arguido Paulo Pedroso com uns mal ensaiados abraços. Estava lá muita gente, na assembleia, na sede do partido, mas eram nitidamente figuras de segundo plano do partido do arguido. Mulheres de limpeza, empregados dos bares, a senhora que faz os rissóis, é certo que não faltaram àquele abraço em liberdade, sabe-se lá aliciados com que promessas de pastas e lugares num eventual governo socialista... Perece que estou a ouvir Ferro Rodrigues “Só têm que o abraçar, só têm que o abraçar, beijinhos não!”. Mas, e as principais figuras, os históricos (atenção que aquele era uma sósia do Manuel Alegre, não vão em cantigas que o um político com um apelido daqueles nunca chora), um Mário Soares, um presidente da república que é do partido, um governador do banco de Portugal idem, comissários europeus, ex-primeiros ministros, presidentes da internacional socialista, essa gentalha toda, não deu a cara! Onde está a solidariedade e o champanhe, para brindar ao herói ? No mínimo dos mínimos, o que se exigirá dum futuro governo PS, se realmente se quiser redimir deste triste dia, será proclamar o dia 8 da Agosto feriado nacional, passando a ser este o Dia da Liberdade!
Foi um espectáculo triste e comovente! Quase que fui ás lágrimas quando Paulo Pedroso saía dum carro qualquer de luxo de certo alugado à ultima hora, e foi de imediato abordado por uma gaja qualquer pequenina, de telemóvel em riste, dizendo-lhe “é a sua mãe!”. Pedroso mostrou-se indiferente, claro está, avançando decidido para o próximo abraço ensaiado. Além da falta de solidariedade, sair da prisão e alguém lhe dizer que a mãe é um telemóvel, só podiam estar a gozar com ele. Não se faz a nenhum arguido acusado de pedófilia! Não estranhei pois, aquele black-out. Ficámos sem saber se o arguido foi dormir a casa, em que restaurante jantou o pernil de porco, se é que foi pernil de porco e não tão somente uma sopinha de caldo knorr, ou se teve algum pesadelo com o dia do julgamento que está para vir.

quarta-feira, outubro 08, 2003

Job for the daughter
Como grãos de milho, são pequenos os escândalos que alimentam as galinhas histéricas da oposição. Na capoeira, ainda as penas não assentaram no chão e já há dois ministros demissionários. Na política é assim, os pequenos escândalos servem para demitir políticos no governo, os grandes para os manter em toda a parte.
Mas porquê tanto ‘cagaçal’ senhores, se todos os políticos são escandalosamente ‘cunhados’ uns dos outros ? Se naqueles antros, é através da cunha que se faz a ‘filtragem’, se faz tão naturalmente a ‘selecção natural’ da espécie, se perpétua a raça!
Fosse a filha do ministro discreta mas promissora activista duma Jota qualquer, e a ordem natural das coisas não seria quebrada. Gente compreensiva seria naturalmente conivente com o caso, que nem era para um ‘job’, tal como o é tolerante com os casos dos ‘boys’ do costume. Assim, mera civil, anónima, demasiado daughter, o contraste torna-se escandaloso, fere a vista mesmo curta, e não pode deixar de merecer castigo.
Há quem se sinta orgulhoso do sistema, há quem refira ser apenas a democracia a funcionar e a funcionar bem. Eu digo apenas, agora vingança! É o mínimo que se exige, que se zanguem as comadres!

terça-feira, outubro 07, 2003

Parque das Aberrações
O Parque das Nações é mais um exemplo duma boa ideia transformada num enorme engarrafamento. Muito em breve o que parecia ser algo de inteligentemente concebido, motivo de orgulho nacional, transformar-se-á (se é que já não está) num espaço urbano indigesto, vítima dos patos bravos e da disparidade de estilos arquitectónicos, com uma imagem não muito próxima dum qualquer arrabalde periférico. Alguns edifícios são verdadeiras aberrações e outros, na vizinhança de outros mais emblemáticos, começam a pouco e pouco a 'diluir' a imagem destes.
Azar para quem comprou ali apartamento a preço exorbitante, na esperança de ver o "stress diluído no Tejo" ou em busca duma prometida excepcional qualidade de vida. Fica-se com a ideia de que o espaço terá sido concebido apenas para quem lá viveria, não se tendo levado em conta o fluxo de 'emigrantes' de fim de semana que ali acorrem à procura dum naco de outro ar ou de outro 'status' que o local parece prometer.
Ao fim de semana, o local é um verdadeiro caos, uma anarquia de pessoas mansas e de estacionamento selvagem. Mas parece ser assim que se mede o sucesso em Portugal. E o Parque das Nações é um verdadeiro sucesso bem português.

segunda-feira, outubro 06, 2003

quinta-feira, outubro 02, 2003

A burra
Uma mãezinha qualquer interroga o filho, então como foi hoje a escola ? comeste o papo-seco com manteiga ? bateram-te muito no recreio ? quando subitamente a criança diz, eu sou burro! A mãezinha fica indignada e volta à carga, quem é que te disse isso ? diz! A criança não diz. É coisa daquela professora, diz a mãezinha. Olha tu não dizes mas deixa estar que eu vou saber ouvistes ? Depois de garantir à mãezinha que ouvira, ela sai e vai à escola da criança falar com a professora da criança. A professora da criança nega tudo mas a mãezinha exige que ela jure a pés juntos. A professora tem artroses nos pés e como não consegue juntá-los, a mãezinha fica desconfiada. Contrata um detective que além da professora doente dos pés, põe sob escuta todos os professores num raio de 20 Km. Diariamente o detective passa a entregar à mãezinha, relatórios sobre todas as chamadas efectuadas. A mãezinha finge que lê os relatórios antes do jantar e depois da novela liga religiosamente ao detective para lhe perguntar, o que é que acha ? O detective, passada uma semana, não disse o habitual, olhe vamos continuar a trabalhar, disse antes, olhe minha senhora mãezinha, mais de metade das conversas dos professores são entre eles. Combinam encontros secretos, falam da bolsa, dos filmes que estreiam, dos jogos da bola, de revolveres, de problemas com queda de cabelo, combinam jogos de matraquilhos, marcam quartos de hotel... A minha principal suspeita era uma professora que fazia muitas chamadas para a farmácia e falava muitas vezes ao telefone com outro professor, e muitas vezes parecia chamar-lhe ‘burro’! mas depois de analisadas as conversas, concluímos tratarem-se de espirros! dava-os com muita frequência. A mãezinha conta isto ao pai, que, ainda bem, pensa, não é professor. Já desistiu de interrogar a criança que teima em não dizer quem lhe tinha chamado de burro. A mãezinha já nem põe sal em condições na massa, só de pensar quem afinal tinha incutido na cabeça da criancinha tal ignóbil ideia. Só pode ter sido alguém, um adulto, pensa, porque a criança ainda não tem idade suficiente para descorrer sozinha o que é ou não é. Telefona então para a policia, quer meter um processo contra desconhecidos, por difamação, aliciamento de menores, o que seja. O detective continua o seu trabalho, entregando diariamente milhares de relatórios que são elaborados num centro de escutas ilegais entretanto construído para o efeito, e num tribunal qualquer corre um processo contra desconhecidos havendo no entanto uma forte suspeita, a professora. A desconfiança da mãezinha foi ainda maior quando esta foi lá a casa perguntar pela criança. A criança está ? já não aparece na escola há tanto tempo. O que é que quer dela, já não lhe bastou ter-lhe chamado de burro ? Eu não tinha razões nenhumas para chamar isso à criança. E nisto juntou os pés e jurou. Tinha feito diversas operações e agora já podia fazê-lo. Estava claramente a querer apagar as provas pensa a mãezinha. Dali vai directa ao tribunal dar o nome da professora. O processo passa pelas mãos dum juiz, que manda a criança ser inspeccionada por um técnico especializado. Ocorre ao juiz que a criança esteja a dizer a verdade, que possa ser mesmo burra. Uma semana mais tarde é o processo arquivado. A criança é enviada para uma escola especial onde as crianças estão longe das mãezinhas, e nessa feliz condição faz progressos assinaláveis. Um dia recebe o telefonema da mãezinha que lhe pergunta, como estás filho ? batem-te muito no recreio ? tens comido bem ? estou mal disposto. então filho, o que é que sentes ? sinto que és burra mãezinha. A mãezinha comovida, despede o detective.
Toc-toc
Para se entrar na vida de alguém, convém fazê-lo sempre pela porta principal, e nunca por uma janela qualquer, aberta de propósito ou deixada assim ao esquecimento. E deve-se sair pelo mesmo sítio por onde se entrou.

terça-feira, setembro 30, 2003

Ídolos do telecomando
Madonna disse uma vez, e muito bem, “Ohhh, sim, sim!”!... Desculpem, cassete errada, agora sim, “A televisão só tem utilidade se for para aparecermos nela.” Foi das coisas mais inteligentes que ouvi hoje, logo a seguir ao “hoje pago eu” do meu colega. De facto, se não aparecemos na televisão, para quê estar a perder tempo a ver outros aparecer ? Talvez por isso considere de entre todos, “Ídolos” o programa mais estúpido, logo, mais didáctico, o melhor programa da televisão portuguesa.
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Sucedâneo um pouco mais soft do velho formato da Private, os famosos castings (espécie de “porno-idolos”), o “Ídolos” apela a um mesmo instinto básico comum a qualquer telespectador, o “voyeurismo”. Se no primeiro espreitava-se o basqueiro das mais ou menos atrapalhadas e inexperientes candidatas despidas, neste, a mesma matéria prima surge vestida, apostada em desviar a atenção para outros dotes. Malta qualquer, que sonha pelo milagre da idolatria instantânea (à carinha bonita, basta juntar um bom corpinho, abanar e já está).
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Com a benção do júri, assustador, experiente, com muito currículo “graças a deus”, isto numa clara alusão aos machões hiper-dotados dos castings da Private que desfloram a ansiedade das aspirantes a porno-estrelas. São os júris, quem se encarregarão de decidir quem e o que é que tele-viciado irá depois consumir. Estão mandatados por ele, sabem o que ele gosta: “Epá, o aspecto vale p’rai 80%! E tu... Por mim podes sair!”. E não é que é mesmo 80%! Os gajos lá sabem.
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O programa mostra-nos o real valor da televisão, o valor honesto e verdadeiro: estamos descaradamente a ver outros a dar barraca através dum aparelho inventado afinal para esse efeito. E dá-nos um gozo do caraças, pondo-nos num embevecido estado semi-vegetativo, de total ausência de pensamento construtivo ou criativo. Tenho a certeza que era essa a intenção do inventor da televisão, criar uma alternativa sólida à vivência pelo cidadão da não menos enfadonha e estúpida política dos partidos. Infelizmente um dia alguém adulterou tudo, julgou que seria um óptimo meio de comunicação, confundindo claramente vegetação com comunicação.
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Dar barraca é saudável e pode ser divertido principalmente se não formos nós a dá-la. Toda a gente já deu barraca para mais ou menos audiência, mas fazer da barraca tempo da antena é que é mesmo bonito.
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A televisão tem sido culturalmente sobrevalorizada ao longo de muitos anos, subvalorizando-se os reais efeitos nefastos que a mesma veio trazer aos terráqueos (terráqueos, faz de conta que sou um observador de outro planeta! Há um herói da Marvel assim. Já não me lembro o nome.). Muitos programas ditos culturais ou de divulgação cientifica, de animaizinhos, não anulam a terrível verdade: ao longo destes encaixotados anos temos sido e continuaremos a ser atrofiados pelo poder esmagador das imagens, intoxicados com publicidade, esvaziados pelas estórias dos argumentistas da Globo, cegos com as interpretações da Sofia Alves, extinguindo-se progressivamente a nossa capacidade de raciocínio, de vivência, e, principalmente, a imaginação, o tal poder imaginativo que só a palavra escrita lida ou ouvida estimula, ao contrário da imagem animada, onde os conteúdos são-nos dados visualmente, de bandeja.
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Imaginemos um mundo sem televisão. O efeito da tragédia do 11 de Setembro (para todos os efeitos, a referência contemporânea mais trágica) não seria mais sentido se apenas tivéssemos tido acesso aos relatos de jornalistas e testemunhas ? As nossas cabecinhas não dariam mais voltas e voltas, tentando imaginar, fazendo a reconstrução mental dos acontecimentos, tornando assim mais intenso o sentimento daquele drama bem real ? Estou convicto que sim. Será mais perturbador imaginar o que devem ter sentido as pessoas no interior dos aviões. O embate dos aviões em sim mesmo, as pessoas a saltar desesperadas, imagens repetidas à exaustão, adquiriram uma dimensão quase secundária, quase ficcional, quase espectacular, aproximando-nos o acontecimento dos olhos, mas afastando-o do, vou dizer, coração. Mas se por acaso tivessem sido transmitidas imagens do interior de um avião, minutos, segundos antes do embate, se tivéssemos tido acesso televisionado às imagens, acredito que essa perturbação, esse sentir doloroso seria atenuado. O que estou a querer dizer, é que a televisão pode ter um efeito pernicioso sobre a nossa capacidade de sentir, de sentir compaixão. Atenua e mascara o que é doloroso, distancia-nos com uma confortável segurança, do drama real. Digo que existe uma diferença muito mais ampla e perigosa entre o escrito “in loco” e o transmitido “in videns”.
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Faz parte do desenvolvimento normal dum indivíduo, mais ou menos regularmente, voluntária ou involuntariamente, testemunhar a estupidez. É saudável. O confronto com tão enraizado veneno pode servir, mais que não seja, para pôr ali os olhos e não ser-se estúpido. Para quem tenta viver o mais afastado possível da estupidez, a televisão pode ser o único elo de ligação com o fenómeno. Assim como um pai deve corresponder ao modelo de virtudes positivas para o filho, a televisão deve ser o modelo inverso, um espelho do ridículo e de maus exemplos que em circunstancia alguma devem ser repetidos na vida real. É para isso que a televisão serve. Daí, quanto mais estúpido for o programa, melhor, mais eficaz. Mas isto, ver televisão e chamo a ver televisão, ver novelas, reality shows, telejornais, publicidade, bigbroderes e ídolos, esta terapia só será recomendável cinco, no máximo 10 minutos diários, posologia esta que deveria ser seguida à risca. Meia hora para casos mais graves. Existem casos em que mestres em yoga-tv, conseguem passar um mês sem tocar num telecomando.
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Em caso de tele-depêndencia, iniciar-se-ia um programa de desmame, reduzindo diariamente 1 minuto (mais seria traumático para o tele-imbecil doente). Acima de tudo, o doente deveria estar consciente do poderoso efeito hipnótico que as imagens têm sobre ele quando, sentado num sofá, após ter pousado o jornal, portanto, intelectualmente inerte. Não deixar-se seduzir pelo telecomando que, como todas as coisas ridículas do mundo, funciona a pilhas. Á falta do melhor do mundo, á falta da visão maravilhosa de uns sapatos de salto alto esquecidos no meio da sala, ter um animal de estimação pode ser uma excelente alternativa ao telecomando, acariciando-se-lhe o pêlo, escovando-o, dando-lhe pedacinhos de fiambre barato. Há pessoas tão tele-perturbadas que já foram vistas a passear de trela telecomandos universais pela Praça da Alegria. Está claro de se ver que o porteiro da maxime vedou-lhes a entrada!
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Qualquer pessoa que não seja crítico de televisão e sinta necessidade de estar frente ao televisor mais que o estritamente necessário ao controlo do seu processo estupidológico, deve rapidamente consultar ajuda médica especializada, o seu gestor de conta, visitar a biblioteca mais próxima, contactar uma empresa de ocupação de tempos livres ou então ir à cozinha comer donuts com leite fresco. Se nada disto resultar, experimente a receita mais eficaz: desligue a televisão da tomada de electricidade.

segunda-feira, setembro 29, 2003

Deus, patrocinador oficial
Os construtores das primeiras carruagens de metropolitano fizeram-nas sem janelas. Afinal, não havia paisagem nenhuma para se ver. Mas as pessoas queixaram-se, e apesar de enterradas a alta velocidade, a dezenas de metros de profundidade, as novas carruagens com janelas vieram acabar com aquela sensação claustrofóbica que sentiam, dando-lhes a ilusão de espaço.
Deus é a janela duma carruagem de metro.

sexta-feira, setembro 26, 2003

Más companhias
Acompanho o meu irmão à matrícula. Portalegre. Aquilo é longe e ele não tem carro. Ele não fez parte dos sessenta e tal por cento dos que entraram para a primeira escolha. Sei que se tivesse entrado para o curso que queria, até era capaz de ir a pé. Só por esse motivo, porque sou contra estes acompanhantes tipo sombra ou anjo da guarda, acompanho-o.
Causa-me uma certa impressão ver miúdas acabadas de sair do liceu, já umas mulherzinhas portanto, acompanhadas sob a alçada dos pais, manas e primas, sempre mais velhas estas companhias, essa espécie de guardiões hormonais, no acto da matrícula, e quiçá depois no primeiro dia de aulas, na entrada para a residência de estudantes, sabe-se lá até onde... Esta geração de miúdas que afinal parecem desenvoltas apenas com as teclas do telemóvel. Fico envergonhado e teclo ás escondidas. Falo destas miúdas porque a universidade vai ser delas numa relação de 5 para um. Os pais dele também lá estão. Os meus só foram companhia quando entrei para a primeira classe, não tenho a certeza. Sei que para a pré-primária estiveram, isso sei. Depois, por aí fora, nunca mais tive companhia. Para quê ?! A parte burocrática sempre foi tratada por mim. Não era só eu, éramos todos assim, uns desenrascados. O tempo nas filas era passado na galhofa espontânea, aquela que só brota naturalmente sem a presença das fantasmagóricas companhias mais velhas. É no mínimo constrangedor saber que aquele gajo de bigodaças lá ao fundo é o pai da miúda ao lado, tão... cheia de dúvidas com o boletim das estatísticas do ministério. É absurdo estar num acto de matrícula onde no ar se respira o perfume rasca da praxe misturado com os perfumes austeros das mãezinhas. Ainda mais agora que existem os gabinetes de apoio ao aluno cujas simpáticas faces visíveis desfilam orgulhosa e elegantemente em traje académico. Mesmo com o calor, as prestáveis não tiram a roupa preta, mas tiram todas as dúvidas e as fotocópias. Que melhores companhias ?
Bagão Félix, paladino da segurança social do século XXI, havia de fazer contas ás horas de trabalho perdidas, e proibir duma vez por todas a entrada dos pais, manas e primas, sempre mais velhas, nos recintos universitários.

quarta-feira, setembro 24, 2003

Cristicida
Oiço na TSF que o Vaticano prepara-se mais uma vez para fazer das suas. Um cardeal qualquer lá do sítio, um cujo nome serviria na perfeição para marca de raticida, irá impôr novas regras quanto ao modus operandis das celebrações liturgicas, vulgo missas (é a mesma coisa não é ?) Se as missas já eram chatas como o caraças, este cardeal amigo, com toda a certeza ateu radical infiltrado, ameaça fazer o favor a toda a humanidade, ao torná-las ainda mais insuportáveis que uma melga filha de Deus a zumbir nos nossos ouvidos ás 4 da manhã. Quer o malandro, que a partir de agora as mulheres deixem de auxiliar o padre durante as homilias (adeus oh saudosas acólitas catequistas de mini-saia), que não se batam palmas (e agora como é que a malta acorda ?), que não se leia outra coisa que não seja a bíblia nas missas (adeus livrinhos do patinhas), exortando todos os fieis, aos que ainda tenham a pachorra e o descaramento de ir à missa, a darem largas ao seu lado bufo, fazendo queixinha á autoridade eclesiástica mais próxima caso o padre fuja a estas e mais outras, parece-me, trinta e tal regras do mesmo calibre!
Eu não faria melhor! Ora, eu e as minhas lunáticas ideias, a exterminação do cristo rei de Almada (a SIC realizou-me o sonho de pelo menos assistir do sofá a tal, numa promoção recente dos ‘Idolos’ onde se mostravam vários monumentos entre os quais o mono gigante vizinho da ponte sobre o Tejo, a ser implodido, um regalo para a vista), o levantamento de todo aquele alcatrão, betão e cera de Fátima e posterior transformação do espaço numa bela floresta só com aparições autorizadas a esquilos, javalis, coelhinhos e outra fauna real, e a conversão de todos as igrejas em espaços de arte, galerias, locais de leitura e de concertos de musica, enfim, medidas que, apercebo-me agora, só serviriam para criar mártires e focos de resistência entre as mentes mais empedernidas que as há muitas. Assim, nas calmas, com a suavidade como só realmente os padres têm no trato, se vai fazendo a grandiosa obra do ateu cardeal Ratzqualquercoisa, cujas discretas medidas em muito contribuirão para a extinção gradual do catolicismo, como um meteoro com efeitos ainda mais devastadores que aquele que exterminou os dinossauros.
Segundo consegui saber, isto não ficará felizmente por aqui. Aguardam-se para breve novas medidas do exterminador cardeal, como sejam a obrigação de todos os fieis saberem de cor e em latim todas as passagens da Bíblia, a prescrição pelos padres de TPC’s (trabalhos para casa) aos fieis (tipo rezar 50 ave marias enquanto fazem a espargata) ou obrigar os padres a proferirem as missas em jejum de 24, 48, 72 horas e assim progressivamente até deixarem de poder ir à praça comprar nabiças para a sopa.
Ave cardeal!

terça-feira, setembro 23, 2003

Finalmente
... O Resgate do Soldado Ryan. É o filme com mais guerra que já vi. Tal como não resistiu em pintar de vermelho aquela menina anónima na Lista de Schindler, Spielberg não resiste em salpicar da mesma cor a camera que filma na praia o caos do desembarque. Sentimento e realismo à la Spielberg. Afinal quem pretende ele enganar ?
... Thomas Moore. Ainda é cedo. Mas do que li, o mais interessante é uma citação de outrém, um monge italiano, parece: “Deus vê-nos com os mesmos olhos com que o vemos a ele.” Parece-me a antítese do filho. Olho por olho, dente por dente, ficamos pois quites, eu e Deus.
... Caminhada. Depois de várias diurnas, uma nocturna. As caminhadas parecem ter cada vez mais adeptos. Várias pessoas determinadas a “mandar uma perna para a frente da outra”, na maioria desconhecidas, propõem-se caminhar assim quase sem mais nem menos por caminhos também desconhecidos. À noite, isto tem ainda menos lógica e não sai mais barato: Poupa-se no protector solar mas gasta-se nas pilhas. Brevemente saberei onde e quando é a próxima.
... Túnel do Marquês. Parece estar tudo pronto para o arranque da grande obra de Santana. Assusta-me ver Lisboa transformada numa grande e moderana cidade Europeia. Lembro-me de ter atravessado Bruxelas de carro quase duma ponta à outra sempre debaixo de terra, por túneis. E um daqueles painéis que publicitavam a obra na Praça do Marquês, mostrando fotos de como era a praça há várias dezenas de anos atrás e que “felizmente” tinha havido “progresso”, só vieram reforçar em mim a convicção de como seria bem mais bonita a cidade naquele tempo, e como podia sê-lo já amanhã, com menos automóveis e sem túneis. Se ao menos isto fosse uma utopia, mas não é!

sexta-feira, setembro 19, 2003

Gibraltar
Deve ser um dos sítios do mundo com o mais alto índice de gente feia por m2. Talvez só Andorra ou a Costa da Caparica consigam rivalizar, mas não têm aqueles bares e pubs geridos por inglesas com celulite na barriga ou ingleses com dermatites seborreicas afixadas em lugares visíveis. O resto, turistas e preços um pouco por todo o lado, um aeroporto e alguns esquecimentos.
Mea culpa. Caí no erro de voltar com outros mesmos olhos ao mítico rochedo. Tinha lá estado há largos anos atrás, naquela que fora a minha mais próxima experiência duma so called lua de mel. Improvisada, correu bem. Então, as horas na fila para passar a fronteira não me pareceram minutos, mas andou lá perto. Então, não estacionei o carro passados alguns quilómetros de trava destrava e segui a pé debaixo do calor que é insuportável. Afinal, quando se está apaixonado, como se é sempre suposto estar numa lua de mel, até Fernão Ferro tem o encanto dum condomínio fechado de luxo. Ilusões à parte, Gibraltar tinha de facto um encanto especial. Ficara alojado no Caleta, hotel com duas vistas fabulosas, rocha e mar, aquilo que Gibraltar era. Haviam também os macacos á solta lá em cima. Vinham comer á nossa mão e depois roubavam-nos os pacotes de bolachas. Era um prazer ser assim assaltado e de manhãzinha, sempre à sombra da paixão, tomar aqueles pequenos almoços continentais servidos como só o sol os sabia servir.
As galerias escavadas nas rochas, grutas, a máquina fotográfica, as mãos, e a cidade lá em baixo. Aquele farol na ponta do rochedo cujo o vento nos empurrava dali para fora, mas principalmente para a rocha e mar, para ambos, rocha e mar, ambos.
Cometi o erro de voltar a um sitio onde já estivera e tinha gostado de estar. Gostado era pouco. Já tinha prometido a mim próprio nunca voltar a um mesmo sítio onde estivera e tinha gostado de estar. Aqueles, os que guardam algures no tempo as recordações, os momentos que julgamos invioláveis.
Nunca vemos a mesma qualquer coisa com os mesmos iguais olhos. Baralhamos tudo, desencantamos tudo. Não é por mal. Mas é mesmo assim.

terça-feira, setembro 16, 2003

A Mosca (reloaded)
Duas moscas são observadas por uma quarta mosca. Estão ambas a sussurrar, interrogando-se a outra porque falam tão baixinho quando àquela distancia é moscamente impossível ouvir a conversa. A terceira mosca já não existe, ou pelo menos já não respira, já não mexe, já não apresenta sinais de vida nem chateia ninguém. Debaixo duma casca de tremoço as moscas:
- Achas que existem moscas que antes de levantarem voo já sabem qual vai ser o próximo local de aterragem ?
- Claro que há, as que têm sorte. Qualquer mosca que caia no erro de fazê-lo, qualquer mosca que perca milionésimo de segundo em tal ou semelhante pensamento, perderá o tempo suficiente que tem para escapar a um mata moscas de plástico, químico ou orgânico.
- Quer dizer que eu, que já tive desse tipo de pensamentos, tenho sorte por ainda estar viva ?
- Esse é o tipo de pergunta óbvia e desnecessária que odeio nas outras moscas. Logicamente que sim! Se estás aqui é porque tiveste a sorte de não estar um mata moscas por perto quando estupidamente pensavas no teu poiso seguinte. Repara que já estamos aqui há quase um centésimo de segundo na palheta. Tempo precioso para fugir. Só não o faço porque me sinto segura debaixo desta casca de tremoço.
- Sim mas no voo de reconhecimento não vislumbrei nenhum mata-moscas de plástico...
- Imbecil mosca, não vês que qualquer objecto é um mata moscas em potência ?
Entretanto ouve-se tossir. A quarta mosca aproximou-se, e empoleirada na borda dum copo, tenta ouvir a conversa. Tosse uma daquelas tosses que nitidamente não está a ser medicamentada, e isso irrita as outras moscas.
- Bem, vou mas é pôr-me na alheta.
- Alheira ? Não me cheira, onde ? Eu vou também!
- Alheta, vou pôr-me na alheta! Aquela macaca ali em cima está a dar granel. A imperial ainda vai a meio e para ajudar à festa a gaja pôs-se a tossir na borda do copo, a parva. Vai dar nas vistas e vamos ser notadas.
- Vamos para onde ?
- Sei lá! Conheço-te de algum lado ? Nunca penso onde vou aterrar antes de levantar voo. Pensei que isso tivesse ficado bem claro! Estavas aqui por acaso e eu aterrei aqui por acaso e conversámos umas baboseiras quaisqueres.
- Não foi por acaso... Na realidade eu ando a seguir-te há muitos segundos. Descobri um padrão nos teus locais de aterragem, uma sequência que sabes muito bem que tens.
- Tás parva ?! Eu nunca penso para onde vou. Ando ao sabor dos cheiros que encontro aqui e ali. Tenho uma certa tara por casas de banhos com autoclismos avariados, mas isso agora não vem ao caso.
Ouve-se um estrondo, as cascas de tremoço estremecem mas todas as moscas mantêm-se nos seus lugares.
- Sim senhor, isso é que é coragem! Nem pestanejaste as asas.
- Chiça que susto! Mas como vi que não voaste, também não voei.
- Estou a ver que és bastante observadora. Esta barulheira foi apenas mais uma imperial que veio para a mesa. Há gajos assim. Esquecem-se de beber as imperiais até ao fim, ou então gostam de beber devagarinho. O gás desaparece e a solução é mandar vir outra. Sorte da mosca que tosse. O bêbado pelo menos por ora não vai pegar mais naquele copo e beber o que resta sem gás. Não está suficientemente bêbado para isso. E o empregado quando vier recolher a loiça, mesmo que veja a mosca, não fará nada que faça notá-la à clientela. É má onda haver moscas numa cervejaria. Pegará calmamente no copo dando tempo à outra para se pôr na alheta.
- É por isso que gosto de ti. Admiro-te muito. Ficas sexy quando dizes alheta. Sabes tudo. Isso excita-me. Ai...
- Tás parva!
- A sério. Diz-me para onde vais agora ? Seguirei tuas asas, poderás fazer de mim o que te apetecer. Sou toda tua.
- Tu própria disseste que havia nos meus voos um padrão... Adivinha imbecil!
A mosca que ficou, ficou de rastos, prostrada junto a uma casca ainda com um resto de tremoço no seu interior. Ela sabia para onde ia voar a outra, sabia que a outra estava a executar a sequência de voos sempre iguais nº 101. Mas de alguma maneira, teria sido uma prova de amor a outra ter-lhe revelado o poiso pela sua própria boca. Não dissera. Estava de rastos e só o cheiro a tremoço aliviava a tensão dramática da situação.
Será que a mosca nem por um segundo pensara que a outra poderia ter razão, de facto nunca sabia para onde voava e que se existia um padrão, era um acaso ?... Ela não sabia, não estava consciente disso e poderia ter sido honesta para com a outra. Foi isto que a quarta mosca lhe explicou. Aproximara-se entretanto. Era uma mosca que estava sempre à espera destas situações onde podia servir de ombro amigo primeiro, consolo erótico segundo. Era assim que engatava as outras.
- Diz-me para onde me levas ? Com a tosse que tens, sugeria um sitio pouco húmido...
- Deixa-me pensar... Podemos ir para... para... já sei, para a...
Aquele cheiro a mosca morta e tremoço durante muito tempo não saiu do nariz da mosca que testemunhou o fim daquela breve história de engate.

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